Decreto regulamenta a Lei de Reciprocidade Econômica
Em resumo
Publicado no último dia 15/07 o Decreto nº 12.551/2025, regulamenta a Lei de Reciprocidade Econômica[1], estabelecendo critérios para que o Poder Executivo estabeleça suspensões de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual (coletivamente chamadas de “contramedidas”), em resposta a medidas unilaterais adotadas por país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira.[2]
A regulamentação ocorreu após o anúncio de medidas unilaterais pelos Estados Unidos da América (EUA), impondo tarifas adicionais de 50% sobre todas as importações brasileiras, a partir de 1º de agosto, e indicando a intenção de iniciar investigação – concretizada em 15 de julho – com base na Seção 301[3], sobre atos, políticas e práticas do Brasil supostamente injustos ou discriminatórios e que afetam o comércio dos EUA.[4]
O Decreto regulamentador estabelece que os membros do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais – CINCEC[5] e da CAMEX[6] possuem legitimidade para propor a adoção de contramedidas.
O Decreto, em linha com a Lei de Reciprocidade, estabelece o rito para a imposição de contramedidas provisórias e ordinárias. O procedimento para a utilização das contramedidas provisórias é mais célere e conduzido pelo CINCEC. Já as ordinárias, ocorrem sob um rito mais rígido, que levará ao menos 5 meses, envolvendo a SE-CAMEX[7], GECEX e o Conselho Estratégico da CAMEX (CEC)[8], bem como a submissão das medidas à consulta pública, para que partes interessadas potencialmente afetadas contribuam para a mitigação de riscos e impactos das medidas propostas. As contramedidas, provisórias ou ordinárias, poderão ser alteradas ou suspensas a qualquer tempo.
Tanto as medidas provisórias quanto as definitivas estão limitadas às hipóteses previstas na Lei de Reciprocidade[9]: (i) imposição de direito de natureza comercial incidente sobre importações de bens ou de serviços; (ii) suspensão de direitos de propriedade intelectual, nos termos da Lei nº 12.270/2010; e (iii) suspensão de concessões ou obrigações assumidas em acordos comerciais. As contramedidas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente. Considerando que a suspensão de direitos de propriedade intelectual é competência exclusiva da Camex[10], nos termos da Lei 12.270/2010, expressamente referenciada pela Lei 15.122/2025, e que as medidas provisórias são de competência do CINCEC, é razoável entender que essa contramedida somente pode ser adotada por meio do procedimento ordinário. Além disso, a medida deve ser utilizada em caráter excepcional, apenas quando as demais contramedidas previstas em Lei forem consideradas inadequadas para reverter as ações, políticas ou práticas das medidas unilaterais[11].
O MRE[12] será responsável por notificar eventuais parceiros comerciais afetados acerca da possibilidade de adoção de contramedidas, em cada fase do procedimento, além de iniciar consultas diplomáticas, em coordenação com o MDIC, ouvidos, quando cabível, os demais órgãos integrantes da CAMEX com competências relativas à matéria. Tais consultas visam mitigar ou anular os efeitos das medidas e contramedidas. Além disso, monitorará eventuais efeitos decorrentes das contramedidas e reportará periodicamente os andamentos para a SE-CAMEX.
Por fim, importante ressaltar que poderão ser publicadas normas complementares ao disposto neste Decreto, no âmbito de suas competências.
Mais detalhes:
I.Contramedidas provisórias
Rito: Nessa modalidade, aplicável em situações excepcionais e com rito mais célere, os membros do CINCEC avaliam eventuais efeitos de potenciais contramedidas, em termos comerciais, setoriais e econômicos, para considerar o impacto na competitividade dos setores produtivos nacionais; e, em relações diplomáticas, como eventual violação de eventuais compromissos internacionais. Concluída a análise, o MDIC poderá ouvir representantes do setor privado e outros órgãos federais antes da submissão do pleito para deliberação do próprio CINCEC. Caso aprovada, o CINCEC publicará Resolução que estabelecerá os procedimentos necessários para a implementação das contramedidas. A normativa prevê que após a sua implementação as contramedidas provisórias passarão pelo rito ordinário de deliberação de medidas definitivas.
Alteração ou suspensão de contramedidas provisórias. O CINCEC poderá estabelecer tanto a adoção quanto a alteração ou suspensão de contramedidas a qualquer tempo.
II.Contramedidas ordinárias
Rito. O pleito é encaminhado à SE-CAMEX, que o distribui aos membros do GECEX e demais órgãos competentes para análise da medida estrangeira, estimativa de impacto econômico e identificação dos setores afetados. A SE-CAMEX elabora, em até 30 dias, prorrogáveis por igual período, relatório sobre o enquadramento legal da contramedida, que é submetido à deliberação do GECEX no mesmo prazo.
As propostas de contramedidas ordinárias serão objeto de consulta pública[13] antes da deliberação final. O CEC decidirá sobre a adoção da medida em até 60 dias, também prorrogáveis, contados do envio da recomendação do GECEX. A análise poderá ser adiada conforme o andamento das negociações diplomática.
Alteração ou suspensão de contramedidas ordinárias. O GECEX poderá, a qualquer tempo, submeter proposta de alteração ou suspensão de contramedidas definitivas ao CEC, podendo instituir grupo de trabalho responsável pela elaboração da proposição.
[1] Para mais detalhes, veja o nosso Alerta Legal sobre o assunto.
[2] Sendo ações, políticas ou práticas que:
I – Interfiram nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil, procurando impedir ou obter a cessação, a modificação ou a adoção de ato específico ou de práticas no Brasil, por meio da aplicação ou da ameaça de aplicação unilateral de medidas comerciais, financeiras ou de investimentos;
II- Configurem medidas unilaterais com base em requisitos ambientais que sejam mais onerosos do que os parâmetros, as normas e os padrões de proteção ambiental adotados pelo Brasil, como o Código Florestal, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a Política Nacional do Meio Ambiente, compromissos nacionalmente determinados no âmbito do Acordo de Paris, atributos específicos do sistema produtivo brasileiro, tais como a elevada taxa de energia renovável nas matrizes elétrica e energética, ou particularidades e diferenciais ambientais brasileiros e outros; ou
III – Violem ou sejam inconsistentes com as disposições de acordos comerciais ou, de outra forma, neguem, anulem ou prejudiquem benefícios ao Brasil sob qualquer acordo comercial.
[3] Para mais detalhes, veja o nosso Alerta Legal sobre o assunto.
[4] A investigação foca em seis áreas principais: comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais injustas, enfraquecimento de aplicação de medidas anticorrupção, proteção à propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal, considerados irrazoáveis ou discriminatórias, que impõem restrições ao comércio dos Estados Unidos. Mais informações disponíveis em: https://ustr.gov/about/policy-offices/press-office/press-releases/2025/july/ustr-announces-initiation-section-301-investigation-brazils-unfair-trading-practices.
[5] O Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais (CINCEC) foi instituído pelo Decreto, é vinculado ao MDIC e é composto pelos seguintes membros: (i) Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que o presidirá; (ii) Ministro de Estado da Casa Civil da Presidência da República; (iii) Ministro de Estado da Fazenda; e (iv) Ministro de Estado das Relações Exteriores. O CICE foi criado para deliberar sobre a adoção de contramedidas provisórias e acompanhar negociações para a superação das medidas unilateralmente impostas.
[6] Câmara de Comércio Exterior –CAMEX.
[7] Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior.
[8] O Conselho Estratégico é o órgão de deliberação da Camex que define as grandes linhas da política comercial brasileira. O CEC é composto pelo Vice-Presidente da República, que o preside, e por ministros de diversas pastas estratégicas, incluindo Casa Civil; Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Relações Exteriores; Fazenda; Agricultura e Pecuária; Planejamento e Orçamento; Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; Defesa; Minas e Energia; e Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
[9] Lei nº 15.122, de 11 de abril de 2025 Art. 3º §1º :I – a imposição de direito de natureza comercial incidente sobre importações de bens ou de serviços de país ou bloco econômico de que trata o art. 2º desta Lei; II – a suspensão de concessões ou de outras obrigações do País relativas a direitos de propriedade intelectual, nos termos dos arts. 2º a 8º da Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010; III – outras medidas de suspensão de concessões ou de outras obrigações do País previstas em quaisquer acordos comerciais de que o Brasil faça parte.
[10] Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010, Art. 6º: “As medidas de que trata esta Lei poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, na forma aprovada em resolução do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, nos seguintes modos (…)” :Art. 7º: “A aplicação de direitos de natureza comercial de que trata o inciso VII do art. 6º será aprovada por resolução do Conselho de Ministros da Camex, por prazo determinado, mediante aplicação de percentual compensatório sobre o montante da remuneração a que fazem jus as pessoas mencionadas no art. 5º”.
[11] Lei nº 15.122, de 11 de abril de 2025, Art. 5º, parágrafo único: “a contramedida de que trata o inciso II do § 1º do art. 3º deve ser utilizada em caráter excepcional, quando as demais contramedidas previstas nesta Lei forem consideradas inadequadas para reverter as ações, políticas ou práticas de que trata o art. 2º”.
[12] Ministério das Relações Exteriores.
[13] A proposta preliminar de contramedida será submetida à consulta pública, pelo prazo de até 30 (trinta) dias, com o objetivo de obter manifestações de partes interessadas e de parceiros comerciais potencialmente afetados. Os resultados da consulta pública serão objeto de deliberação pelo GECEX.