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Sócio Gledson Campos assina artigo, publicado pelo Migalhas, sobre cláusula de não litigar em planos de recuperação judicial

11/08/2025

A cláusula de não litigar (pactum de non petendo) nos planos de recuperação judicial: Validade e limites

Cláusula de não litigar em planos de recuperação judicial é válida, desde que respeite limites legais, equilíbrio contratual e boa-fé negocial

Artigo publicado no Migalhas.

Autor: sócio Gledson Campos

1. Introdução

Recentemente, planos de recuperação judicial têm estabelecido vantagens para credores que assumem o compromisso de não litigar com o devedor.

Embora o tema remonte ao direito romano, sendo, portanto, um dos mais antigos negócios jurídicos do qual se tem conhecimento, sua aplicação contemporânea no Brasil ainda é controversa, seja porque são escassos os estudos realizados no país, seja porque o tema apenas despertou interesse por parte da doutrina a partir do CPC/15, cujo art. 190 estabeleceu a possibilidade de negócios jurídicos processuais atípicos.1

É com o propósito de analisar a validade (ou não) desse compromisso que, nas palavras do professor Fredie Didier Jr., significa verdadeiro “armistício”, se insere o presente artigo.

2.  A cláusula de não litigar (pactum de non petendo): natureza

A controvérsia acerca do pactum de non petendo reside até mesmo quanto à sua natureza jurídica (de direito material ou processual).

No direito romano, essa cláusula significava que o credor se comprometia a não exigir a dívida do devedor, possuindo um sentido remissório. Discutia-se se esse pacto teria o efeito de extinguir o crédito ou não. Embora pareça que o entendimento majoritário caminhe no sentido de que não haveria essa extinção2, quer parecer que havia implicações no plano material, porque o devedor que cumprisse a obrigação na vigência do pacto era dado poder reaver o valor pago.

Talvez a controvérsia exista em decorrência da falta de determinação precisa do objeto do pacto de non petendo ou da promessa de não processar3. É necessário estabelecer se o objeto desse pacto é o direito subjetivo, a pretensão de direito material ou apenas a pretensão de direito processual4. Noutros termos, é necessário determinar se essa promessa traduz renúncia ao direito material ou se é uma simples renúncia ao direito de ação (ou não exercício desse direito de ação).

Quer-nos parecer que o objeto da promessa está limitado à pretensão processual, mantendo- se incólume a pretensão de direito material5. Por meio dessa previsão contratual, as partes do contrato se comprometem a não exigir o seu cumprimento em sede jurisdicional (seja no juízo estatal ou arbitral), de modo que subsistem todas as pretensões que podem ser exercidas fora do âmbito jurisdicional (tal como ocorre com direitos subjetivos não dotados de pretensão ou cuja pretensão foi fulminada).

Cuida-se de um negócio jurídico que se relaciona com a exigibilidade do direito, portanto com a pretensão. A promessa de não litigar se restringe à pretensão processual. Por meio dela, os contratantes pactuam que não exigirão, em sede jurisdicional, o cumprimento do contrato, sendo certo que fica mantido, de forma hígida, o direito material e até mesmo a possibilidade de exigir a pretensão fora do processo, valendo-se até mesmo de outros meios de pressão.

E é justamente em função dessa natureza processual que a promessa de não litigar deve ter limitação temporal (inferior ao prazo prescricional ou decadencial), sob pena de desvirtuar o instituto e embutir uma renúncia ao próprio direito material (o que é perfeitamente possível desde que pelo meio adequado). Não se trata, evidentemente, de negar remissão da dívida ou, até mesmo, renúncia à prescrição (quando já verificada). Contudo, não se pode descaracterizar a promessa de não litigar para que ela encerre, por meio transverso, disposição sobre a pretensão de direito material ou acerca do próprio direito subjetivo.

Enfim, a promessa de não litigar ou pactum de non petendo gera a obrigação de não agir perante autoridade jurisdicional pelo prazo de vigência desse pacto. Trata-se de uma obrigação de não fazer, consistente na obrigação de não propor demanda (o que inclui a reconvenção ou pedido contraposto).6

3. A promessa de não litigar

De modo geral, os que sustentam a invalidade da cláusula de não litigar o fazem com base no art. 5.º, XXXV, da CF, que encerra o princípio da reserva legal, segundo o qual: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O direito de acesso ao Judiciário, ou da inafastabilidade do controle jurisdicional, foi previsto inicialmente na Constituição de 1946 e, a partir daí, foi repetido em todas as que sucederam.

O art. 3º do CPC repete essa mesma regra, reservando ao Estado- juiz o monopólio da jurisdição.

A partir da leitura desses artigos, parte da doutrina sustenta que é nulo qualquer pactum de non petendo estipulado como cláusula segundo a qual os contratantes se comprometem a não recorrer ao Judiciário na hipótese de surgir algum litígio entre eles.7

Ocorre que a inafastabilidade prevista na Constituição Federal parece significar apenas que o legislador infraconstitucional está proibido de editar leis que restrinjam o direito de acesso ao Judiciário por parte do jurisdicionado.8

Ou seja, a proibição se dirige ao Poder Legislativo, que não pode suprimir, nem sequer por emenda constitucional, o direito de acesso ao Judiciário. O intuito do dispositivo é garantir ao particular o direito de ter lesão ou ameaça apreciada pelo Poder Judiciário. Aliás, mesmo sob o prisma literal, a norma constitucional se limita a proibir que o legislador exclua determinadas matérias ou sujeitos da apreciação do poder Judiciário, não sendo possível interpretá-la como limitação ao particular.

A partir da leitura do art. 5.º, XXXV, da CF, infere-se que não há obrigação do particular de submeter toda e qualquer controvérsia a um juiz estatal. Nada na redação da norma indica, por exemplo, que os direitos patrimoniais não possam ser objeto de transação ou, ainda que as partes não possam efetivamente restringir o seu direito.

A vedação não impede, por exemplo, que as partes submetam seu conflito à arbitragem, retirando-o da análise do Judiciário.

E esse parece ter sido o entendimento do STF no acórdão SE 5.206-7, em que se discutiu a constitucionalidade da lei de arbitragem. Nesse julgamento, prevaleceu o entendimento de que a garantia de acesso ao Judiciário significa proibição ao legislador ordinário, de modo que as partes, desde que capazes e que a controvérsia envolva direitos patrimoniais disponíveis, são livres para submeter conflitos à arbitragem.

A garantia constitucional de acesso à jurisdição não impede que o particular e/ou o Estado busque(m) meios alternativos para a resolução de conflito, até mesmo como medida de preservar recursos.

E, em decorrência dessa liberdade prevista na Constituição, a qual franqueia ao particular autonomia para gerir e dispor de seus direitos patrimoniais livres, o CPC passou a permitir, a partir de 2016, a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos em processos relativos a direitos que admitam a autocomposição.

O plano de recuperação judicial

O sistema de superação da crise estabelecido no procedimento de recuperação judicial tem natureza negocial9, contando com supervisão judicial, porque é celebrado por duas partes: de um lado o devedor, que apresenta uma proposta de pagamento (plano de recuperação) e, por outro lado, todos os credores, que aprovarão ou não o plano de pagamento apresentado.

O propósito da recuperação judicial (lei 11.101/05, 47) é o de viabilizar a superação da crise pela empresa viável, salvaguardando-se, dessa forma, a geração de emprego, renda e riquezas10. É nesse contexto que se insere o plano de recuperação e o dever de o devedor em recuperação judicial de buscar negociação com seus credores.

O plano de recuperação judicial consiste no principal instrumento da recuperação judicial, no qual estão indicadas todas as medidas que serão adotadas para o devedor superar as dificuldades que o fez pedir recuperação.

O plano deve ser apresentado no prazo de sessenta dias, contados a partir da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência (art. 73, II da lei 11.101/05).

O art. 53 da lei 11.101/05 determina que o plano de recuperação contenha: i) indicação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados; ii) demonstração da viabilidade econômica; e iii) laudo econômico-financeiro e de avaliação de ativos do devedor.

Os meios de recuperação estão enumerados no art. 50 da lei 11.101/05, cujo rol é exemplificativo. Já a demonstração da viabilidade é ponto essencial, porque o devedor deve comprovar não apenas que o valor da empresa em funcionamento é maior do que o obtido com sua liquidação, como ainda que a continuidade satisfaz aos interesses envolvidos.

O plano deve indicar as medidas concretas que serão adotadas para a superação da dificuldade enfrentada, cotejando-as com a viabilidade econômica da empresa.

Ao Judiciário e ao Ministério Público competem zelar para que o plano seja transparente, evitando-se assimetria de informações. Já se consolidou na jurisprudência o entendimento de que a análise por parte do Judiciário quanto ao plano se restringe à legalidade e à ausência de fraude, não se debruçando, por exemplo, sobre aspectos financeiros.

Até recentemente, apenas o devedor detinha a legitimidade para apresentar o plano de recuperação, de modo que alterações ao plano somente seriam incorporadas com o seu beneplácito (lei 11.101/05, art. 56, § 3º). Com as alterações de 2020, houve um equilíbrio de forças, mitigando aquilo que se denominou “ditadura do devedor”, sendo certo que, atualmente, há duas hipóteses em que credores podem apresentar plano de recuperação em substituição àquele do devedor.

Na recuperação, devedor e seus credores fazem concessões mútuas, o que demonstra que o plano de recuperação é uma espécie de negócio jurídico11. A particularidade envolvendo essas concessões consiste no fato de que se está diante de um processo coletivo, qual seja, o processo de recuperação judicial12.

Trata-se de negócio jurídico plurilateral, porque, por meio da declaração de vontade de diversos sujeitos, a maioria decide pela produção de determinados efeitos jurídicos por eles pretendidos em prol de um interesse comum que, no caso, é a recuperação do devedor.13

E a liberdade de negociação é bastante ampla, eis que são poucos os limites estabelecidos pelo legislador.

O primeiro desses limites está indicado no art. 50, § 1º, da lei 11.101/05, segundo a supressão de garantia real ou a substituição em decorrência de alienação do bem está sujeita à aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.14

Já o § 2º desse mesmo art. 50 determina que, nos créditos em meda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação e só será afastada se o credor, titular do respectivo crédito, aprovar previsão diversa no plano de recuperação judicial.

Por sua vez, o art. 54 da lei 11.101/05 fixa prazos para pagamento de credores trabalhistas, quais sejam: (i) 30 (trinta) dias para pagamento dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação, limitados a 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador; (ii) 1 (um) ano para pagamento dos créditos decorrentes da legislação do trabalho ou de acidentes de trabalho. Esse último prazo poderá ser estendido em até 2 (dois) anos, desde que satisfeitos os requisitos previstos no 2º desse mesmo art. 54.

Como se infere, não são muitos os limites que a lei 11.101/05 estabelece ao plano de recuperação judicial.

Dessa forma, seja porque não há muito limite estabelecido pela lei, seja porque prevalece a natureza negocial, é lícito e natural que sejam ofertadas vantagens a comportamentos desejados e, exatamente nesse contexto, se insere a cláusula de não litigar.

A cláusula de não litigar na recuperação judicial

O CPC/15 tratou de incentivar a celebração de negócios jurídicos processuais. Tanto isso é verdade que estabeleceu uma regra geral que regula o negócio jurídico processual, fixando os seus requisitos de validade. A partir da leitura do art. 190 do CPC, tem-se que o negócio jurídico processual pode ser celebrado (i) por partes plenamente capazes (ii) em processos envolvendo direitos que admitam autocomposição. Quanto ao objeto, o negócio pode envolver ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Já o parágrafo único do art. 190 do CPC/15 prevê o controle de legalidade do negócio jurídico, até mesmo de ofício.

Por meio da promessa de não litigar, as partes estabelecem a impossibilidade de demandar em juízo. O objeto do pactum de non petendo está circunscrito à pretensão de direito processual – ou seja, o direito de demanda e não o de ação15. Aliás, a própria redação do art. 190 do CPC deixa muito claro que o negócio jurídico processual não atinge o direito material em si.

Pois bem, o sistema de superação previsto na recuperação judicial tem natureza negocial, no qual o devedor apresenta uma proposta de pagamento aos seus credores (o plano de recuperação), cabendo a estes aprovarem, modificarem ou rejeitarem tal proposta.

Por se tratar de negócio jurídico, o plano pode ser analisado pelo prisma da existência, validade e eficácia. A análise da cláusula de non petendo se insere no contexto da validade.

A validade é “qualidade que o negócio jurídico deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (“ser regular). Validade é adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de acordo com as regras jurídicas”16

Um dos maiores motivos de invalidade do plano é a violação ao tratamento igualitário entre credores da mesma classe e que possuam interesses homogêneos em função da natureza do crédito.

A ausência de regra expressa na lei 11.101/05 que autorizasse a concessão de incentivos a credores que assumissem posição colaborativa fez com que, num primeiro momento, houvesse certa timidez nos planos quanto a essas “vantagens”, cabendo aos Tribunais chancelar a criação de classes e a concessão dessas classes.

Esse cenário, a lei 11.112/20, que alterou a lei 11.101/05, permitiu a criação de subclasses de credor-parceiro para lhe atribuir tratamento diferenciado17. Tal autorização certamente decorreu da constatação de que a falta de colaboração de credores que são fornecedores de bens e serviços é fator preponderante para que o propósito almejado seja obtido.

Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre, de um lado, ser credor apoiador/colaborador e, por outro, litigar contra o devedor. Afinal, quem colabora não deve, em regra, litigar, exatamente porque ao fazê-lo não se colabora. Ora, a ausência de conflitos judiciais é fundamental para a estabilidade e previsibilidade. Os credores parceiros, ao concordarem em não litigar, criam um ambiente mais favorável para que o devedor possa implementar seu plano de recuperação eficazmente. Em contrapartida, esses credores recebem condições mais vantajosas.

Não bastasse essa contradição a justificar a inclusão de cláusula de não litigar para credores apoiadores/colaboradores em planos de recuperação judicial, tem-se que, se é dado ao credor colaborador esperar tratamento diferenciado porque, exatamente, apoiador, é igualmente certo que o devedor tem a justa expectativa, precisamente porque o credor é colaborador e a ele foram oferecidas condições especiais, de receber como contrapartida o compromisso de não litigar.

E ainda sustentando a validade, as cláusulas de não litigar normalmente não representam renúncia absoluta à jurisdição estatal. A disposição estabelece limites para a obrigação de não litigar, de modo que é possível que os credores busquem o Poder Judiciário para as hipóteses não contempladas na cláusula.

Por fim, há um derradeiro argumento. A cláusula de não litigar, normalmente, encerra uma faculdade, não sendo compulsória a uma classe de credores. O credor, com base em seus interesses, pode decidir livremente se aceita ou não a obrigação de não litigar.

Se não aceitar, o credor tem a possibilidade de litigar contra o devedor (empresa em recuperação). Já se aceita, certamente haverá vantagem econômica. Trata-se, sobretudo, de uma opção econômica decorrente de negociação havida entre as partes,

E já há posicionamento por parte do Poder Judiciário acerca dessa cláusula de não litigar. Por ocasião do exame de legalidade do plano de recuperação apresentado pela Oi S.A., o TJ/RJ18 entendeu ser válida e eficaz disposição do plano que continha obrigação de não indenizar, fazendo menção a recuperações judiciais anteriores, envolvendo a Abengoa, Aralco, Brico Bread Alimentos, Camera, Gabrielli Indústria e Comércio de Móveis, Grupo OAS, OGX, Wind Power.

Conclusão

A cláusula de não litigar é uma ferramenta importante para a gestão de conflitos contratuais, promovendo a resolução amigável e eficiente das disputas. No entanto, sua validade depende do cumprimento de requisitos específicos, bem como do respeito aos princípios de boa-fé, legalidade e equilíbrio contratual. A análise cuidadosa e a redação clara destas cláusulas são essenciais para garantir sua eficácia e prevenir futuros litígios.

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Referência bibliográfica

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Trigo, Alberto Lucas Albuquerque da Costa Trigo. “Pactum de non petendo parcial”. RePro 280.

1 Situação bastante diferente se verifica em outros países. Como noticia Antonio do Passo Cabral (“Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro”. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro n.º 79, out/dez. 2020, p. 20), “as promessas de não processar são conhecidas no direito estrangeiro atual. Na Europa, são teorizadas e praticadas há muito tempo. Na França, são também chamadas de “contratos de não oposição”. No common law, também existem previsões semelhantes. No direito norte-americano, há figura chamada de covenant not to sue, também praticada na Inglaterra, que, grosso modo, corresponde à promessa de não processar. Na África do Sul, o pactum de non petendo também tem aceitação jurisprudencial”.

2 Alberto Lucas Albuquerque da Costa Trigo. “Pactum de non petendo parcial”. RePro 280, p. 19. as promessas de não processar são conhecidas no direito estrangeiro atual.

3 Veja-se que a promessa de não litigar não tem efeitos no plano do direito material, até porque busca fazer com que o promitente não aja no Judiciário (ou tribunal arbitral). Nada obsta, portanto, promover cobranças extrajudiciais ou, ainda, inscrever no cadastro de inadimplentes, protestar etc.

4 Nas palavras de Alberto Lucas Albuquerque da Costa Trigo (“Pactum De Non Petendo Parcial”, RePro 280, p. 19-20), “cabe discutir se os pacta de non petendo afetariam o direito subjetivo, a pretensão, a ação de direito material ou o remédio jurídico- processual. (…) já se pode claramente perceber ser incompatível o objeto dos pacta de non petendo com o direito subjetivo. Isso porque nenhuma utilidade haveria em tal disposição, que é possível por meio de diversos outros instrumentos regulados pelo direito civil. (…) O remédio processual, como esclarece Pontes de Miranda, não se confunde com o direito subjetivo, a pretensão ou o direito de ação. Isso porque o remédio processual diz respeito ao processo, regulando a forma de exercício do direito de ação. Em razão da atribuição genérica do nome “ação” a remédios, acaba-se por tomar um pelo outro. O remédio processual indica a forma de ingresso em juízo para satisfação da pretensão de direito material. Neste ponto, deve-se destacar a importância de tal divisão para o objeto estudado. Isso porque, apesar de se dizer que o pactum de non petendo recai sobre a pretensão jurídico-material, fato é que pode recair sobre o remédio processual.

5 Tanto isso é verdade que se o juiz se deparar com uma ação proposta em que houve pactuação de promessa de não litigar, ele deverá proferir sentença, extinguindo o feito, sem julgamento do mérito. Contudo, não há conhecimento de ofício pelo juiz. A violação à vedação convencional da acionabilidade gera uma exceção processual e só pode ser conhecida por provocação do interessado, a exemplo do que ocorre com a cláusula arbitral.

6 A promessa de não processar igualmente pode encerrar uma convenção que traduza o uso de meio alternativos previamente ao ajuizamento da ação no Judiciário. Trata-se da denominadas das “cláusulas de paz” ou cláusulas “escalonadas”, ou ainda exigências de que se expeça notificação extrajudicial antes do ajuizamento. Geralmente, as partes estabelecem um procedimento prévio de autocomposição antes de ajuizar a ação em juízo.

7 E, a análise da validade do pactum de non petendo não é questão inédita. O TJ/SP, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2194531-67.2014.8.26.0000, de relatoria do desembargador Miguel Petroni Neto, reconheceu a invalidade dessa cláusula sob o fundamento de que ela “não poderia afastar o direito de defesa do devedor, uma vez que após a transação pode ter surgido fato que justifique a defesa. Assim, é nula a cláusula 16ª por violar o princípio legal da defesa”. O STJ teve posicionamento que caminhou no mesmo sentido. No julgamento do Recurso Especial n. 1.810.444/SP, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reputou inválido negócio jurídico processual que previu a possibilidade de a credora obter liminarmente o bloqueio de ativos financeiros da devedora, sem que esta última pudesse ser ouvida e dispensada a prestação de garantia. De acordo com o STJ, a nulidade decorreria na quebra de paridade de armas oriunda da vedação ao contraditório prévio.

8 “o que se depreende da análise histórica do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, portanto, é que seu proposito foi o de garantir ao particular o direito potestativo de ver apreciada pelo Poder Judiciário qualquer lesão a direito, com atenção especial aqueles levados a cabo pelo próprio Estado. O que não está contido na letra quanto na intenção do dispositivo é tornar obrigatório o que, na realidade uma garantia constitucional, qual seja, a de levar a lesão ao Poder Judiciário. (Calor Alberto Carmona. Comentários ao art. 5º, XXXV, In: Constituição Federal Comentada. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 152).

9 Encontram-se vozes na doutrina em sentido diverso. Jorge Lobo (Da assembleia geral de credores. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles; ABRÃO, Carlos Henrique (coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3ª ed. Ver e atual. São Paulo, Saraiva, 2009,

p. 125), por exemplo, atribui natureza de ato complexo, na medida em que abrange ato coletivo processual (vontades manifestadas pelo devedor e credores no processo), um favor legal (garantias concedidas ao devedor para o saneamento da empresa) e uma obrigação ex lege (novação de todos os créditos, obrigando os credores). Há quem igualmente negue a natureza processual da recuperação judicial, seja porque não há citação, seja porque não há revelia, seja porque não há produção de provas, seja porque não há audiência de conciliação, nem de instrução, julgamento, seja, ainda, porque, não há sucumbência. (Marlon Tomazette. Curso de Direito Empresarial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 83). Contudo, predomina posição no sentido da natureza contratual. Sérgio Campinho sustenta a natureza contratual da recuperação judicial, pois ela objetiva promover o encontro de vontades do devedor e de seus credores, com vistas à formação de um contrato entre eles, instrumentalizado pelo plano de recuperação judicial e fiscalizado pelo Estado-juiz, a quem compete promover tão somente o controle de legalidade de atos e disposições do plano. Curso de direito comercial: falência e recuperação de empresa. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 35. Quer parecer que o cerne da controvérsia reside na imposição da vontade da maioria sobre o da minoria. As decisões da AGC se orientam pelo princípio majoritário, uma vez observados os quóruns previstos. Uma vez aprovado o plano, verificam-se todos os efeitos que lhe são próprios, dentre os quais a novação dos créditos anteriores ao ajuizamento, obrigando não apenas o devedor, mas como também todos os credores sujeitos, incluindo aqueles que não compareceram ou tenham votado pela rejeição do plano. Há matérias em que há a necessidade de manifestação individual do credor por ocasião da venda de bem objeto de garantia real, supressão da garantia ou a sua substituição. Não se trata da única exceção. Rigorosamente, em relação às cláusulas que extrapolarem os limites da relação credor e devedor igualmente deve haver manifestação individual do credor (como por exemplo, novação em relacão a terceiro).

10 “(…) o objetivo central da recuperação judicial é possibilitar que a crise da empresa seja superada. Isso, porque sendo a crise superada estar-se-á por consequência permitindo que se mantenha a fonte produtora de bens para a sociedade, os postos de trabalho e os interesses dos credores. Por isso, diferentemente do revogado Decretolei n. 7.661/1945, em que os interesses dos credores eram atendidos substancialmente a partir da liquidação do patrimônio do devedor, pode-se afirmar que pelo princípio da preservação da empresa os interesses dos credores ficam subordinados a superação da crise da empresa. Ou seja, atualmente a legislação busca primordialmente a preservação da empresa. Além disso, o princípio da preservação da empresa deve ser visto ao lado do princípio da função social da empresa (derivado da função social da propriedade), que considera o fato de a atividade empresarial ser a fonte produtora de bens para a sociedade como um todo, pela geração de empregos; pelo desenvolvimento da comunidade que está à sua volta; pela arrecadação de tributos; pelo respeito ao meio ambiente e aos consumidores; pela proteção ao direito dos acionistas minoritários etc.” (Tarcísio Teixeira. “A recuperação judicial de empresas”. In Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 106, pp.181-214).

11 Manoel de Queiroz Pereira Calças. Novação recuperacional. Revista do advogado. São Paulo: Associação dos advogados de São Paulo, 105, setembro de 2009, p. 119; STJ, REsp 1359311/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª T., J. 09.09.2014.

12 Logicamente, não se trata de negócio jurídico puramente privado. Tanto isso é verdade que é raríssima a hipótese em que há unanimidade. A regra é que, mesmo com aprovação do plano, haverá credores inconformados com o resultado. Note-se que não há consenso, como ocorre em um contrato (a princípio, as partes divergem, mas após chegam a um denominador comum). O plano não existe esse consenso, mas apenas um acordo ou negócio jurídico plurilateral, cujo ponto comum é a manutenção da atividade do devedor.

13 Cinira Gomes Lima Melo. O plano de recuperação judicial como negócio jurídico plurilateral: a análise da existência, da validade e da eficácia. Tese de doutorado. PUC-SP, 2016, p. 138.

14 Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Pretensão à alienação de bens móveis de propriedade das recorridas, mas gravados por alienação fiduciária. Necessidade de concordância expressa por parte do credor fiduciário. Inteligência do art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/05. Súmula nº 61 desta Corte: “Na recuperação judicial, a supressão da garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação expressa do titular”. Decisão reformada. Agravo a que se dá provimento. (TJ/SP AI n.º 2253517-77.2015.8.26.0000, rel. Des. Pereira Calças, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 26/04/2016).

15 “O pacto de non petendo não elimina propriamente o direito o direito de ação, mas apenas impede a judicialização de determinada pretensão. Com o pacto não há a morte do direito material, mas apenas a sua acionabilidade”. Fábio Caldas de Araújo. Curso de Processo Civil. Tomo I – parte geral: atualizado com a Lei 13.245/2016. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 762.

16 Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.

17 “art. 67 (…) Parágrafo único. O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a prove^-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura”.

18 TJ/RJ, 8ª Câmara Cível, AI 0022258-72.2018.8.19.0000, rel. Des. Augusto Alves Moreira Junior, j. 16/04/2019.

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