Por Monica Cavalcanti e Bruno Dreifus, sócia e associado do grupo de Fusões & Aquisições e Societário de Trench Rossi Watanabe, respectivamente
O impacto da pandemia da Covid-19 em todas as principais economias, incluindo o Brasil, alteraram significativamente as perspectivas para o mercado de M&A no Brasil. Anteriormente predominavam discussões sobre crescentes oportunidades no mercado local, medidas econômicas, reformas positivas e um potencial de crescimento relevante da economia brasileira.
Agora, em um cenário de significativa queda de cotações de
ações, de consumo, desvalorização do Real e retração econômica em geral,
discussões envolvendo revisões de potenciais projetos se tornaram comuns até
que uma melhor compreensão dos impactos econômicos seja possível quando,
similarmente, como em crise passadas, novas oportunidades de mercado podem se
tornar abundantes.
No entanto, ao passo que novos projetos são revisados e
rediscutidos, as várias transações de M&A que eventualmente já foram
iniciadas ou celebradas durante o anterior cenário de crescimento econômico
agora apresentam novos desafios econômicos e jurídicos para Compradores e
Vendedores. Assim, para tais casos, as discussões passaram a focar
principalmente em cláusulas de Evento Relevante Adversos (MAC), revisões de
preço, earn-out e direitos de rescisão.
Evento Relevante Adverso
Prática relativamente comum em transações de M&A, as
cláusulas “MAC” comumente oferecem a uma parte a possibilidade de solicitar a
rescisão de um contrato (com ou sem o pagamento de multa) e solicitar revisões
de preço e/ou indenização em benefício de uma parte quando da ocorrência de um
evento. Fato ou circunstância que resulte em um efeito relevante adverso para o
negócio.
Nas hipóteses em que o contrato contempla uma cláusula de MAC, é importante realizar uma análise dos efeitos da pandemia da Covid-19 e dos termos e condições da cláusula de MAC aplicável à transação, de forma a avaliar os potenciais impactos contratuais.
No contexto de tal análise, é importante avaliar quaisquer
gatilhos para a aplicação da cláusula (e.g., valores pecuniários,
porcentagem de deterioração do negócio), quaisquer eventos excetuados (e.g.,
eventos que afetem as indústrias como um todo) e as consequências jurídicas
estabelecidas no contrato (e.g., direito de rescisão, revisão de preços,
entre outros).
Revisão de preços e earn-outs
Outro aspecto jurídico de preocupação é em relação às
disposições referentes a revisão de preços e earn-outs.
Cláusulas de revisão de preços, tais como ajustes de working
capital, podem demandar uma análise financeira mais cautelosa para avaliar
a potenciais ajustes aplicáveis, bem como uma maior cooperação entre as partes
para buscar mitigar potencias disputas judiciais sobre a extensão de ajustes de
preço, devido a redução das capacidades financeiras, deterioração da receita e
perda de valor dos estoques.
Similarmente, em razão da retração econômica esperada,
metas de earn-out tendem a ser substancialmente impactadas e
de difícil de atingimento, o que poderá resultar em um agravamento de
frustrações e um maior potencial de litígios.
Consequentemente, é recomendável que as partes cuidadosamente documentem não apenas os impactos da pandemia da Covid-19, mas também, os esforços adotados para mitigar tais impactos, bem como a performance, esforços e resultados do negócio anteriormente à pandemia do Covid-19.
Tal documentação será crucial na eventualidade de litígios alegando culpa ou negligência na administração que teriam tornado impossível atingir as metas apesar da pandemia da Covid-19 ou que teriam resultado em agravamento dos efeitos da pandemia da Covid-19 e, consequentemente, substancialmente reduziram a performance dos negócios.
Rescisão
Determinadas situações podem, no entanto, se tornar
significativamente agravadas ao ponto que a rescisão pode ser a melhor
alternativa para as partes em decorrência da deterioração do negócio.
Nestas hipóteses, uma análise cuidadosa do contrato deve
ser feita para verificar possíveis direitos de rescisão e suas implicações
legais, como, por exemplo, caso as condições de uma cláusula MAC foram
verificadas, uma condição para o fechamento se tornou impossível ou se outros
eventos de rescisão foram verificados.
Aspectos específicos devem ser avaliados caso a caso
considerando os termos contratuais e as particularidades do caso. No entanto, é
importante destacar que, mesmo em situações em que o contrato possa ser
silente, as partes podem encontrar alternativas nos artigos 393 e 478 do Código
Civil Brasileiro.
De um lado, o Artigo 393 estabelece os conceitos de caso
fortuito ou força maior, os quais são legalmente definidos como um fato
necessário cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. Na hipótese de
ocorrência de um evento de força maior, a lei estabelece que o devedor de uma
obrigação não será responsável pelas perdas decorrentes do não cumprimento de
uma obrigação, salvo se expressamente tenha acordado de outra forma.
Consequentemente, uma parte poderá alegar, sujeito a uma
verificação caso a caso, que o evento de força maior, resultado de uma pandemia
global, justifica o não cumprimento de uma obrigação contratual. Caso tal linha
de argumentação será justificável ou aplicável a um caso, deve ser analisado
individualmente, mas é importante manter em mente que esta possibilidade poderá
aumentar as incertezas nas relações contratuais.
De outro lado, o artigo 478 do Código Civil Brasileiro
estabelece que em contratos com uma execução continuada ou diferida (por
exemplo, um fechamento diferido), caso uma obrigação se torne excessivamente
onerosa para uma parte, com significa vantagem para a outra, em decorrência de
um evento extraordinário e imprevisível, o devedor de uma obrigação terá o
direito de solicitar a rescisão do contrato, observado, entretanto, que o
credor poderá evitar a rescisão caso ofereça uma revisão equitativa das
condições contratuais.
Destacamos que a aplicação deste dispositivo exige a
verificação das duas condições, i.e., que uma parte seja
significativamente afetada de modo adverso pelo evento ou circunstancia e, de
outro lado, que a outra parte tenha significativamente se beneficiado desta
situação. A ocorrência de uma única destas condições (ônus ou ganho) não
atenderá as condições do dispositivo e, consequentemente, não possibilitará o
exercício dos direitos de rescisão.
De forma similar ao caso anterior, a aplicação destes
dispositivos legais deve ser avaliada no caso a caso, bem como as implicações
desta ação, incluindo potenciais revisões judiciais dos termos contratuais na
hipótese do credor oferecer uma renegociação equitativa.
Considerando estas incertezas, é recomendável que as partes procurem (i) documentar os impactos da pandemia da Covid-19 e as ações adotadas para mitigá-las; (ii) cuidadosamente revejam os termos contratuais; e (iii) na medida do possível, busquem resolver amigavelmente potenciais disputas para evitar custos adicionais na hipótese de disputas judiciais.