Por Heloisa Uelze, Felipe Ferenzini, sócios do grupo de Compliance de Trench Rossi Watanabe
Com a declaração de uma pandemia da Covid-19 pela Organização Mundial de Saúde (“OMS”), governos de diversos países têm criado legislações e normas que preveem medidas de enfrentamento à nova pandemia. No Brasil, já houve publicação de regras (e novas devem ser publicadas nos próximos dias) que elevam riscos nas operações e devem ser mapeadas pela área de GRC (Governança, Riscos e Compliance) das empresas, tais como:
- Contratações
emergenciais, com dispensa de licitação para bens e serviços destinados ao enfrentamento
da emergência de saúde;
- Suspensão de
certas atividades econômicas;
- O dever de
empresas que prestem serviços à Administração Pública de comunicarem ao órgão contratante
sobre casos de funcionários (próprios e/ou terceiros) que apresentem sintomas
ou sejam diagnosticados com Covid-19.
Além disso, as
autoridades brasileiras não devem parar investigações e operações durante essa
crise, tanto o é que a Polícia Federal conduziu pelo menos três operações desde
o dia 17 de março (Operação “Tifeu” – sobre lavagem de dinheiro e
tráfico de drogas / Operação “Assombro” – sobre desvio de dinheiro
com contratação de funcionários fantasmas / Operação “Zig-Zag” –
sobre fraude em licitações do DNIT em Minas Gerais).
Diante deste
cenário de incertezas e de superação, destaca-se o papel integrado da área de
GRC (Governança, Riscos e Compliance) das empresas na elaboração de um
plano estratégico emergencial com vistas à prevenção e à mitigação de riscos –
alguns que, provavelmente, já podem ter se materializado – incluindo, mas não
se limitando, à corrupção (lato sensu). Para tanto, apresentamos, a seguir, algumas recomendações
de medidas que podem ser avaliadas pelas empresas para debelar este momento
difícil.
O papel da alta
direção no reforço da cultura de Governança, Riscos e Compliance
Para superar a
crise, os líderes deverão avaliar e orientar a adoção de medidas emergenciais
tais como:
- A criação de um
Comitê de Crise;
- A revisão de
matrizes de riscos;
- O monitoramento
das alterações legislativas e operacionais;
- As alterações
nas rotinas de trabalho (o cancelamento e/ou suspensão de reuniões, a limitação
de viagens, o isolamento dos colaboradores e terceiros -com trabalho remoto);
- O reforço para a
tomada de decisões
pautadas pelos princípios éticos da empresa;
- O monitoramento
de fornecedores de risco alto;
- A aplicação de
medidas disciplinares;
- Até mesmo a
divulgação das ações excepcionais para o mercado.
Canal de
denúncia
O canal de
denúncia é um dos principais pilares de um programa de compliance e pode ser essencial para o mapeamento de novos riscos em uma crise (ex.
aumento abusivo de preços, fraudes, exposição de funcionários a riscos). Logo, especial
atenção deve ser dada ao canal de denúncias para recebimento e tratamento de
denúncias neste período.
Algumas
empresas e órgãos públicos já estão implementando canais de denúncias específicos para a gestão
de crise. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa do
Distrito Federal (CLDF), por exemplo, criou um canal de denúncias com o
objetivo de receber relatos de pacientes e servidores públicos acerca de
possíveis violações de direitos relacionados ao Covid-19, tais como a falta de
materiais de proteção à saúde de funcionários que não podem trabalhar remotamente.
Avaliação de
riscos e controles internos
O impacto desta
situação dramática nas empresas é ainda imensurável, mas a gama de problemas
que todos terão de enfrentar durante a crise já é certa. É neste ponto que
entra a necessidade imediata de uma reavaliação dos riscos a que a empresa está
sujeita, a partir da qual novas medidas serão adotadas ou medidas existentes
serão adequadas à nova realidade da empresa.
Riscos antes
não considerados ou classificados como não prioritários podem vir a ter
especial importância no novo cenário. Como alternativa mais acertada, ao nosso
ver, a empresa pode estabelecer um Comitê de Crise legitimado a tomar as
medidas necessárias. A área de GRC da empresa ganha destaque neste processo,
devendo ser chamada à discussão juntamente com os demais departamentos, como Jurídico, RH,
Comercial, para que as
decisões considerem os impactos em cada setor da empresa.
O Comitê de
Crise deve trabalhar em uma elaboração ou revisão da matriz de riscos da
empresa, considerando riscos como:
- Corrupção (ex. fraude,
conflito de interesses, doações etc.);
- Suprimentos/logística
(ex. inclusive para cada região onde a empresa atue);
- Contratuais
(ex. com clientes e fornecedores);
- Regulatórios
(ex. nova exigência para reportar ao órgão público contratante sobre eventuais
casos de Covid-19 em sua força de trabalho);
- Trabalhistas
(ex. demissões);
- Financeiros e
tributários (ex. afastamento de multas tributárias);
- De continuidade
dos negócios (ex. falta de capacidade operacional de trabalho remoto em caso de
quarentena)
Durante a
crise, a área de GRC também deve adotar controles extraordinários para o monitoramento do
cumprimento do programa e conduzir reportes periódicos mais frequentes à alta
administração.
Comunicação e
treinamento
Há o desafio de
buscar a coordenação entre a área de GRC e as demais áreas da organização
(jurídico, suprimentos, recursos humanos, comercial, operacional etc.), visando
implementar um plano emergencial de comunicação. Esta comunicação deve ser
direcionada para públicos distintos, incluindo os colaboradores próprios,
terceiros, prestadores de serviços, fornecedores, mas também, e principalmente
(nos casos das empresas que negociam valores mobiliários), o próprio mercado.
O conteúdo das
comunicações poderá abarcar:
- Os riscos
decorrentes do vírus;
- As orientações
de saúde e segurança divulgadas pelas autoridades;
- As novas
diretrizes corporativas sobre o trabalho home office;
- A interação com
o público externo (ex. clientes e agentes públicos);
- A revisão da
matriz de risco e os testes que deverão ser realizados nos controles internos;
- O reforço para
a utilização do canal confidencial (denúncia);
- A mensagem do
presidente (ou liderança respectiva);
- Dentre outros
assuntos considerados e definidos como relevantes pelo Comitê de Crise.
Tendo em vista as
recomendações das autoridades de saúde para o isolamento e trabalho remoto, a
comunicação e treinamento seriam efetivos por meio online,através
de webinars, vídeos explicativos e
e-mails de circulação geral. Recomenda-se, ainda, estender os treinamentos a
terceiros (fornecedores, prestadores de serviços, parceiros).